Sigo bordando
Entrelaçando linhas e pontos
Bordando imagens que falam por si
Estendendo dedos em fios
Tramando e tecendo amores sem fim.
Nas meadas em que escolho cores,
deixo vir aquelas que se deixam falar seja
pelo matiz, haste ou rococó.
Não importa o ponto, o nó que dá o arremate
para a escolha da imagem que a alma faz de si.
Na costura da vida, sigo costurando pequenos detalhes de mim
dando pontos em marcas aparentes
e aquelas que somente a escuridão parece revelar.
São tecidos de cores e texturas diferentes, assim como suas intensidades.
Do avesso me vejo como a sombra,
como a face oculta da mulher que sou.
Uma costura se faz aqui e ali, frente e verso a revelar
costuras contidas em pequenos pedaços cerzidos de alma e coração.
(Factima El Samra)
Arteterapia
Mas afinal o que seria o bordado com as “Arpilleras”?
A palavra Arpilleras significa tecido grosso e áspero. Esta técnica têxtil nasceu no Chile por um grupo de mulheres bordadeiras, que durante a Ditadura Pinochet – em Isla Negra, pegavam os sacos feitos de aniagem (juta, linho, cânhamo ou outra fibra) que vinham com batatas e farinha. Elas repartiam em seis pares e neles bordavam com retalhos de tecidos das roupas de seus entes queridos desaparecidos, imagens que denunciavam suas dores, revoltas, história, apelos e tantas outras coisas que aconteciam durante aquele período.
As mulheres colocavam em seu verso um pequeno bolso onde escreviam pequenos bilhetes, manifestando suas inquietações e este movimento ganhou tanta importância que chegou à ONU e dali ganhou fama de maneira diferenciada por Violeta Parra, que confeccionou algumas durante um período que esteve doente e a mostrou ao mundo através da exposição no Louvre.
Este movimento de denúncia e de clamor por justiça ainda existe em diversos movimentos sociais, aqui no Brasil com o MAB “Movimento dos Atingidos por Barragens”, porém este trabalho tem uma outra vertente de cunho mais simbólico e poético trazendo o convite para se dar voz ao que se tem no interior, àquilo que clama em mim e aquilo que preciso trazer à luz do mundo.
Arte e autoconhecimento
A Arte traz à luz aquilo que vive da obscuridade em nós. Numa jornada de autoconhecimento que une bordado, música, escuta de mitos e lendas a respeito de teceres, costuras e fiares, dentre outras técnicas, aprende-se pontos, fiando e costurando emoções, despertares, sensações, partilhas e tantas outras percepções.
Abaixo, um exemplo do Poema Dobrado, construído a várias mãos e afetos do que foi no coletivo de pessoas que vivenciaram este processo:
“Em fios e tramas vamos tecendo afetos, tecendo a gratidão, o alinhavo do recomeçar.
Bordados que vão construindo e dando forma à nossa jornada e também à nossa alma. Teias feitas e desfeitas, as mãos no ir e vir, num ritmo como uma respiração, mais lento, mais rápido, sintonizando frequências de longe, tão antigas e vastas quanto o universo.
Panos e linhas que tecem a vida e também tecem os sonhos. Sonhos coloridos e cheios de amor compõem o meu panneau. Passeio pelas imagens que vão surgindo nesse céu tão lindo de onde nos chega a esperança refletida pelos raios do sol que como um bom amigo nunca nos deixa sós.
E que ilumina o caminho que nos leva de volta ao lar. Essa é a fonte da nossa verdadeira jornada que é a nossa mais profunda verdade, a centelha divina que habita em nosso coração e que nos ajuda a lembrar que fazemos parte desse imenso bordado onde seus fios são tecidos e traçados pelo fio dourado do sopro da vida.
E nesse emaranhado de fios dourados vou separando e pegando para tecer, escrevendo a vida com palavras, caminhando e tecendo além dos bastidores, e assim a teia escolhe e me conduz aos porões da memória ancestral que me leva para onde devo ir e que precisa ter vez de ser acalentada e curada.
Os fios das rocas vão construindo umas teias que possibilitam o crescimento, sorteando destinos de quem fui e quem desejo ser e encontrar o caminho bordando histórias com a minha essência Divina”.
Texto de Factima El Samra, Outubro/2022
Arteterapeuta junguiana, contadora de histórias e arte-educadora de dança.