Arpilleras – “O Bordado como Expressão da Alma”

Sigo bordando 

Entrelaçando linhas e pontos

Bordando imagens que falam por si

Estendendo dedos em fios

Tramando e tecendo amores sem fim.

Nas meadas em que escolho cores,

deixo vir aquelas que se deixam falar seja 

pelo matiz, haste ou rococó.

Não importa o ponto, o nó que dá o arremate

para a escolha da imagem que a alma faz de si.

Na costura da vida, sigo costurando pequenos detalhes de mim

dando pontos em marcas aparentes

e aquelas que somente a escuridão parece revelar.

São tecidos de cores e texturas diferentes, assim como suas intensidades.

Do avesso me vejo como a sombra,

como a face oculta da mulher que sou.

Uma costura se faz aqui e ali, frente e verso a revelar

 costuras contidas em pequenos pedaços cerzidos de alma e coração.

(Factima El Samra)

Arteterapia

A arteterapia traz um convite para a experiência de se fazer com as mãos, aquilo que chamo de fazer alma, embora o termo tenha sido criado por James Hillman da psicologia arquetípica, cuja consigna seria de dar voz e significado aos afetos, ouvindo as necessidades da alma.   O bordado propõe um encontro com a subjetividade de cada indivíduo, com seu princípio feminino, que a partir de uma escuta singular e profunda, pode tramar feituras de histórias, afetos e memórias.  

Mas afinal o que seria o bordado com as “Arpilleras”?

A palavra Arpilleras significa tecido grosso e áspero. Esta técnica têxtil nasceu no Chile por um grupo de mulheres bordadeiras, que durante a Ditadura Pinochet – em Isla Negra, pegavam os sacos feitos de aniagem (juta, linho, cânhamo ou outra fibra) que vinham com batatas e farinha. Elas repartiam em seis pares e neles bordavam com retalhos de tecidos das roupas de seus entes queridos desaparecidos, imagens que denunciavam suas dores, revoltas, história, apelos e tantas outras coisas que aconteciam durante aquele período.

As mulheres colocavam em seu verso um pequeno bolso onde escreviam pequenos bilhetes, manifestando suas inquietações e este movimento ganhou tanta importância que chegou à ONU e dali ganhou fama de maneira diferenciada por Violeta Parra, que confeccionou algumas durante um período que esteve doente e a mostrou ao mundo através da exposição no Louvre. 

Este movimento de denúncia e de clamor por justiça ainda existe em diversos movimentos sociais, aqui no Brasil com o MAB “Movimento dos Atingidos por Barragens”, porém este trabalho tem uma outra vertente de cunho mais simbólico e poético trazendo o convite para se dar voz ao que se tem no interior, àquilo que clama em mim e aquilo que preciso trazer à luz do mundo.

Arte e autoconhecimento

A Arte traz à luz aquilo que vive da obscuridade em nós. Numa jornada de autoconhecimento que une bordado, música, escuta de mitos e lendas a respeito de teceres, costuras e fiares, dentre outras técnicas, aprende-se pontos, fiando e costurando emoções, despertares, sensações, partilhas e tantas outras percepções.
Abaixo, um exemplo do Poema Dobrado, construído a várias mãos e afetos do que foi no coletivo de pessoas que vivenciaram este processo:

“Em fios e tramas vamos tecendo afetos, tecendo a gratidão, o alinhavo do recomeçar. 

Bordados que vão construindo e dando forma à nossa jornada e também à nossa alma. Teias feitas e desfeitas, as mãos no ir e vir, num ritmo como uma respiração, mais lento, mais rápido, sintonizando frequências de longe, tão antigas e vastas quanto o universo.

Panos e linhas que tecem a vida e também tecem os sonhos. Sonhos coloridos e cheios de amor compõem o meu panneau. Passeio pelas imagens que vão surgindo nesse céu tão lindo de onde nos chega a esperança refletida pelos raios do sol que como um bom amigo nunca nos deixa sós. 

E que ilumina o caminho que nos leva de volta ao lar. Essa é a fonte da nossa verdadeira jornada que é a nossa mais profunda verdade, a centelha divina que habita em nosso coração e que nos ajuda a lembrar que fazemos parte desse imenso bordado onde seus fios são tecidos e traçados pelo fio dourado do sopro da vida. 

E nesse emaranhado de fios dourados vou separando e pegando para tecer, escrevendo a vida com palavras, caminhando e tecendo além dos bastidores, e assim a teia escolhe e me conduz aos porões da memória ancestral que me leva para onde devo ir e que precisa ter vez de ser acalentada e curada. 

Os fios das rocas vão construindo umas teias que possibilitam o crescimento, sorteando destinos de quem fui e quem desejo ser e encontrar o caminho bordando histórias com a minha essência Divina”.


Texto de Factima El Samra, Outubro/2022

Arteterapeuta junguiana, contadora de histórias e arte-educadora de dança.

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