A minha intenção ao escrever esse texto é oferecer uma reflexão sobre a intersecção entre Yoga, mindfulness e os princípios de Nazaré Uniluz, ou seja, onde essas práticas se encontram e como elas se comunicam.
Alguns dos Papéis do Yoga & Mindfulness
Muitas vezes quando falamos de Yoga, logo pensamos nas posturas físicas, nos asanas. No entanto os asanas são só uma parte desse sistema sofisticado do Yoga, que abrange desde observações éticas de comportamento até meditação e estados profundos de concentração e sabedoria (Samadhi). A palavra Yoga tem várias traduções, mas a mais comum é Unir, Conectar, Juntar. Mas o que queremos unir afinal? E como essas práticas de Yoga e Mindfulness podem nos ajudar nesse processo?
Nos ensinamentos de Buda, ele diz que nós não somos criaturas separadas. Qualquer fenômeno, físico ou não, surge por causa e em relação ao todo. Uma folha de uma árvore contém o sol, a terra, o céu e também a chuva, os minerais, etc. Então percebemos que a folha não é um fenômeno independente, assim como nós não somos separados como seres humanos. Apesar de pensar que somos criaturas separadas, nós somos parte de uma rede muito vasta, que na verdade inclui todo o mundo. E porque estamos tão imersos nessa realidade, é algo tão comum e natural, nós nem nos damos conta disso, não percebemos a nossa real natureza. Assim como o peixe não reconhece a água em que está imerso.
Vejo que no coração das práticas de Yoga e Mindfulness está a intenção de percebermos claramente nossa interconectividade. Perceber como somos interdependentes e como nossas ações afetam outros e o todo. Também pode-se dizer que Yoga acontece no ponto de encontro entre duas ou mais pessoas ou no encontro entre fenômenos, onde a realidade ou a real natureza das coisas ou pessoas se revela.
Por exemplo, quando a inspiração encontra a expiração, ou o dia encontra a noite, ou no encontro verdadeiro entre duas pessoas. Imagino que a maioria de nós já vivenciou a beleza de um encontro de verdade com alguém, onde você consegue ver mais de você e do mundo através da outra pessoa, através desse encontro. Outro exemplo seria quando estamos escutando música, ou envolvidos em qualquer outra atividade do nosso dia a dia, e de repente nos perdemos naquela atividade, ficamos totalmente absorvidos por ela, e aí acontece um encontro pleno da nossa atenção com o objeto de atenção. Tudo isso é Yoga. Isso é atenção plena, Mindfulness.
Alguns dos Papéis de Nazaré Uniluz e os Princípios na convivência
Nazaré Uniluz é uma escola madura que também se propõe a essa investigação, através da convivência grupal e através do exercício de 12 Princípios. Essa escola nos oferece oportunidades simples e ferramentas práticas, num campo sutil de consciência, que facilitam a compreensão do grande, daquilo que se manifesta além do nosso ego. Esse processo pode ser desafiante e até doloroso, mas também estático, pois além das nossas dores, podemos descobrir tesouros que estavam enterrados dentro de nós e que estavam esquecidos há tempos. E ouso dizer que para que esse processo seja sustentável para a maioria de nós, é imperativo estarmos em comunidade, precisamos estar em relações.
Existem várias maneiras de aprendizagem, e provavelmente a mais eficiente é através da experiência. Em Nazaré Uniluz não estamos somente lendo ou discutindo sobre o que é meditação, ou cuidado; nós vivenciamos isso em primeira pessoa. Saímos de uma compreensão somente mental e intelectual, para um processo real de integração desses ensinamentos tão profundos em nossas vidas. Cada um de nós vivencia os princípios propostos por Nazaré Uniluz ou as práticas de Yoga e Mindfulness da nossa própria maneira, pois cada um de nós carrega uma história diferente, e isso é importante ser honrado. No entanto, todos nós, humanos, compartilhamos as mesmas necessidades, todos nós queremos nos relacionar, queremos cuidar e ser cuidados, ritualizar nossa rotina, etc. Então essas práticas suprem a nossa necessidade humana, num contexto e num espaço seguro e co-criado por todos nós.
Um pouco mais sobre os Princípios
Uma das coisas que torna Nazaré Uniluz um lugar desperto e que desperta, que nos tira da nossa sonolência espiritual, é justamente a não existência de um guru, ou um líder, ou uma escola de pensamento específica ou religião. Extraímos significados em cada encontro e atividade através da nossa experiência em primeira pessoa, enquanto somos norteados pelos Princípios: Meditação, Silêncio, Atenção Plena, Ritmo, Ordem Cerimonial, Cuidado Amoroso, Partilha, Serviço Altruísta, Comunicação Sustentável, Liderança Grupal, Cuidado com a Natureza, Simplicidade.
Esses princípios são universais e não chegaram em Nazaré Uniluz de maneira aleatória. Antes de se tornarem parte da metodologia do Espaço, eles foram vivenciados por centenas de pessoas durante algum tempo, com uma intenção clara de trazer maior compreensão à nossa condição humana e nossa capacidade de evoluir como espécie. Queremos aprender como criar um mundo mais alinhado com amor, compaixão e gentileza.
Os princípios não funcionam de maneira separada uns dos outros, ou seja, cada princípio informa e alimenta o outro. Por exemplo, é no encontro do silêncio com a meditação que a atenção plena é cultivada, no encontro do ritmo com a ordem cerimonial que podemos entender a sacralidade do serviço, da meditação na ação. Se existe o cuidado amoroso no momento de partilha, entendemos de maneira direta que o julgamento e a crítica não cabem, e assim a comunicação sustentável acontece.
Onde, quando e como essas práticas se cruzam?
Muitas vezes vemos alguns desses ensinamentos, principalmente as práticas meditativas, como solitárias e às vezes até autocentradas. No entanto, nunca é demais ressaltar que elas são práticas fundamentalmente relacionais, ou seja, contemplamos nosso processo interno não só em relação a nós mesmos, mas também em relação ao outro e ao todo. Num momento de conflito com outra pessoa, quando me percebo com raiva, a contemplação dessa raiva pode ter várias direções: Como essa raiva se manifesta em mim agora? Como ela se manifesta no outro? E como estamos nos relacionando com ela agora?
Gostaria de trazer um outro ponto de intersecção aqui. O convite de Nazaré Uniluz ao serviço altruísta na plena atenção, desapegado de qualquer resultado, é também a essência dos ensinamentos do Bhagavad Gita, um dos textos Indianos mais famosos no estudo do Yoga. No contexto de Nazaré Uniluz, qualquer ação existe pela ação em si, para que possamos praticar o silêncio, o cuidado, o ritmo, etc., e não porque estamos apegados a um resultado específico e rígido. As ações não saem de um lugar pessoal, ou seja, eu não faço somente o que gosto e da maneira que estou habituada a fazer. Faço o que tem que ser feito, de acordo com um ritmo e uma ordem cerimonial que inclui a todos, que harmoniza o todo, portanto me tira do ego e me convida a me abrir para algo maior que eu. E ao mesmo tempo que é impessoal, nossa ação também é pessoal, pois trazemos a nossa singularidade para aquilo que fazemos. Essa singularidade se encontra com o todo, com o contexto maior, e a partir disso coisas interessantes se revelam. Isso é Yoga. Isso é meditação.
Imagino que todos vocês, lendo esse texto agora, gostariam de viver com mais presença, conexão e autenticidade. E sabemos que embora pareça simples, esse é um caminho desafiante, porque todos nós carregamos condicionamentos fortes e antigos que não nos permitem estar na presença e na autenticidade todo o tempo. E acredito ser importante reconhecermos esse espaço, de querer mas nem sempre conseguir. É um espaço totalmente válido e normal de estar, e procuramos agir sempre a partir do lugar onde estamos, interna e externamente, e não do lugar onde gostaríamos de estar ou achamos que deveríamos estar.
As práticas de Yoga e Mindfulness e os Princípios de Nazaré Uniluz não sugerem um lugar ideal que temos que alcançar. Mas na verdade são práticas que te convidam a perceber e honrar onde você se encontra, com os recursos internos e externos que você tem nesse momento. Nosso desejo de “mais presença” pode se transformar na nossa intenção sincera de mais presença. E trabalhamos com essa intenção de cultivar mais presença em nossas vidas a cada momento. Uma das maneiras que podemos definir meditação é um constante Começar De Novo. Quando nos vemos perdidos em pensamentos e histórias que não refletem a realidade, cultivamos a intenção de deixar isso ir e voltar para o momento presente, começar de novo. Quando nos vemos julgando a nós mesmos ou ao outro, reconhecemos esse julgamento como um hábito da mente, percebemos como ele me separa de mim mesmo e do outro, e talvez a partir daí surja a compreensão de cuidar da situação de maneira mais amorosa.
A Intenção é nossa bússola, e essas práticas nos lembram sempre que estamos no caminho. E às vezes isso é tudo que precisamos: saber que estamos no caminho, que não estamos sozinhos e temos ferramentas e práticas que apoiam o nosso caminhar!
Este pequeno texto é dedicado à minha irmã-amiga Verena, uma pessoa incrível que me ensinou tanto sobre amar, e que nos deixou recentemente.
Por Juliana Bizare, setembro/2020.
Juliana Bizare pratica meditação e yoga há mais de vinte anos. Viveu entre Índia, Nepal, Inglaterra e Califórnia por 15 anos e estudou com vários mestres reconhecidos internacionalmente, como Tenzin Palmo, Katchie Ananda, Os Chanchani, Jack Kornfield. Começou a ministrar aulas de yoga no Tushita Meditation Centre na Índia, onde viveu imersa por 6 meses em 2010. Participou de retiros e treinamentos em diferentes centros pelo mundo, incluindo Spirit Rock na Califórnia. Pós graduada em Psicologia Transpessoal pela Uniluz, onde residiu por um ano e pôde desenvolver um trabalho profundo com meditação. Há dois anos tem estudado Calling Work, com Richard Condon de Nova York. Atualmente vive na Floresta Amazônica no Peru, onde desenvolve um trabalho que combina Mindfulness, Yoga, Medicina das Plantas e Calling Work, num centro internacional que recebe pessoas do mundo todo.
“Meu chamado é que as pessoas experimentem a liberdade de serem elas mesmas!”